Translate

16.2.14

Bate-papo com Sereias! (1) | Patricia Nardelli




Bate-papo nº 1 
Patricia Nardelli
12/02/2014


RedLalita: Olá! Antes de tudo quero dizer que estou muito feliz que tenha concordado em participar do bate-papo.
Patricia Nardelli: Fico feliz de participar. :)

RL: Sobre sua relação com o tema sereia.
Você saberia dizer quando foi a primeira vez que o tema lhe chamou atenção?
PN: Eu acho que a primeira vez que pensei em gostar de sereias foi quando assisti 'A Pequena Sereia', eu devia ter um pouco menos de dez anos de idade, mas antes disso eu já achava que tinha uma ligação muito especial com o mar, e queria morar debaixo da água. Claro que depois eu cresci e comecei a ver as sereias de outra forma, que não a da sereia bonita e querida dos desenhos infantis, o que só me fez gostar mais ainda delas.

RL: De qual outra forma?
PN: Eu comecei a me interessar por mitologias desde muito cedo, e dentro das mitologias um dos aspectos que me interessava mais eram as histórias de monstros e foi nessas andanças, junto com um fascínio muito específico por tudo aquilo que é do gênero do terror, que eu aprendi que as sereias afundavam as embarcações e matavam os homens e que algumas os devoravam.

RL: Interessante! Esta ótica monstruosa das sereias te deixou mais fascinada pelo tema? Foi daí que veio sua inspiração para dançar como sereia?
PN: Sim. As sereias monstruosas eram muito mais legais do que as sereias bonitinhas, porque na minha cabeça aconteceu toda uma conexão entre a resistência das sereias e a opressão das mulheres. E sobre o tema do desconhecido da natureza e como ele é assustador porque temos medo que haja nele algo que se rebele contra nós. Eu acho que sempre quis dançar um pouco do não bonito, e isso é muito difícil de achar na dança do ventre, que é de onde eu venho e no tribal, que ainda tem uma herança de uma forma estética do belo muito forte, e dançar sereias implicou dançar um pouco do feio e do assustador.

RL: Isto é muito interessante! Porque a sereia quando é usada como tema na dança ainda surge como um ser encantado e encantador. Inocente, frágil... Romântica, muito ligada a um ideal feminino, digo, uma idealização do feminino.
PN: Sim. Acho que foi isso que me encantou na coreografia da Bruna Gomes, e talvez seja isso que encanta todo o grupo Al-Málgama já que a coreografia das sereias é uma das mais queridas de todas as meninas, elas são sereias, mas elas estão dizendo ‘não mexa comigo, minha beleza não está aqui para você’. Eu gostaria de elaborar uma coreografia com sereias ainda mais monstruosas, eu e a Bruna conversamos bastante sobre isso e espero que a gente faça, ou pelo menos que eu concretize essa ideia. Sereias que fossem realmente criaturas estranhas e assustadoras, ao invés de bonitas.

RL: Alguma vez durante este tempo você se lembra de idealizar que queria ser realmente uma sereia ou que teria sido? Você certamente conhece casos de pessoas que se sentem tão sereias que vivem assim como estilo de vida. Como seria a Patricia Nardelli como sereia real considerando o lado obscuro?
PN: Quando eu era criança tinha um fixação bem grande, ter uma cauda pra aprender a nadar usando era um sonho, mas nunca aconteceu. Com o tempo essa paixão foi ganhando outras formas, quis aprender mergulho, mas também nunca pude. Houve um tempo que biologia marinha era algo muito fascinante e eu devorava enciclopédias sobre o assunto. Depois escrevi um conto sobre uma personagem que é ela mesma o mar.
Acho que a Patricia sereia gostaria de viver bem no fundo dos abismos marinhos e ver todas aquelas coisas que vivem lá e a gente nunca vai descobrir como são. E de vez em quando se transformaria em gente pra visitar lugares bonitos.

RL: Uma mulher sábia costumava dizer que não há como ver o belo sem ver o feio primeiro. Não há como encontrar a luz sem a escuridão. Este abismo não seria ele mesmo o belo? Muito mais belo que todo o brilho e o glamour que o falso feminino pode vir a esconder?
PN: Eu acredito que sim, eu sempre vi a beleza nas coisas feias e assustadoras e me encanta o pensamento de poder transitar entre essas divisões arbitrárias do bonito e do feio eu nunca encontrei muita correspondência com o brilho e o glamour, nunca fui muito 'bonita', nem gostava particularmente de assuntos que são considerados desse mundo, como maquiagens e roupas. Até hoje me enrolo com essas questões no tribal. E não me parecia que as sereias fossem ‘glamourosas’, mas que fossem, com o perdão do trocadilho, muito profundas.
Porque pra mim é como se o mar escondesse algum desconhecido essencial, uma potência de que pode haver qualquer coisa lá, ruim ou boa, que me parece bastante com o que eu tenho dentro de mim.

RL: Acredito então que esta paixão pelo mar e pelas sereias e esta visão diferente das sereias que te levou de certa forma a estes estudos (mitologia, biologia marinha), ajudou a construir esta visão do mundo e de si mesma...
PN: Acredito que sim às vezes eu ainda tenho vontade de ser um bicho aquático, quando fica muito difícil viver no mundo e tudo que me dá vontade é daquele silêncio que existe embaixo da água.

RL: É realmente além do que eu poderia esperar de uma experiência trazida pelo tema sereia à vida de alguém, isto explica o fato de você ser tão singular.
Voltando a dança. Então a coreografia é da Bruna? Qual a sua participação na concepção da coreografia dançada pelo Al-Málgama? Como foi a abordagem do tema? Como você se sentiu?
PN: Sim. A coreografia é da Bruna, e já teve um bocado de gente no elenco, atualmente faço parte. No ano passado realizamos o espetáculo “Al-Malgama Tribal 13 anos”, que mostrava releituras de trabalhos da Bruna. Na reprise desse espetáculo, eu fiz parte do elenco das sereias, e foi ótimo trabalhar com a Bruna, porque a gente se entender um bocado nas ideias fora do padrão, e conversávamos muito sobre deixar a coreografia 'menos bonita', menos contemplativa e explorar mais a monstruosidade das sereias eu fiquei muito satisfeita com o processo, que foi muito divertido. A Bruna trazia movimentações diferentes pra experimentarmos e era risada atrás de risada. Muitas boas ideias surgiram aí também, inclusive uma possível coreografia de sereias versão abissal. Senti que havia uma correspondência entre a concepção coreográfica dela e a minha forma de encarar o tema.

RL: Este será o novo projeto do trabalho com sereias, versão abissal? Já está em andamento o desenvolvimento?
PN: Não sei se existe um novo projeto para as nossas sereias do Al-Málgama, mas na minha cabeça existe um projeto de sereias abissais, que é como a gente tem chamado de brincadeira nossa versão mais macabra. Eu tenho muita vontade de coreografar com o tema do horror, isso foi inclusive o que me fez ficar apaixonada pelo butoh e estudar algumas técnicas de movimentos que pareçam menos humanos. Eu gosto de conversar sobre isso com a Bruna, porque acharia ótimo se ela se animasse a fazer algo assim comigo e com o grupo mas não sei se está realmente nos planos dela. Certamente é algo que eu farei um dia, quando tiver tido mais tempo de estudar as técnicas que me parecem mais interessantes pra esse tema. Um projeto que gostaríamos realmente de realizar é de poder dançar as sereias dentro da água, aprender a nadar com caudas e fazer alguma coisa bem interessante no mar ou na água doce.

RL: Seria incrível! Façam isto!
PN: só nos falta patrocínio (risos).

RL: (risos)
PN: De verdade, se fosse possível que alguém nos patrocinasse, nos comprometeríamos a nos empenhar nisso.

RL: Então espero que este patrocínio apareça. São ideias muito boas e seria um espetáculo inusitado. 
Antes de encerrar, me conte uma coisa. Você realmente acredita que as sereias existam?
PN: Não. Pelo menos não com nossas características humanas que não aguentaria a vida no mar. Mas acredito que o mar ainda guarda um monte de coisas que não temos ideia do que seja, e é isso que as sereias representam. Então de certa forma, acredito.

RL: Tem algo inusitado para contar sobre este assunto? Um sonho, um susto, uma leitura? Algo engraçado ou assustador?
PN: Acho que não, pelo menos não me ocorre nada agora.

RL: Seu conto está publicado?
PN: Sim. Na verdade são vários, mas tem um que gosto mais.

RL: Posso deixá-lo disponível aqui no blog para os leitores?
PN: Pode sim :)
 
RL: Só para terminar com uma brincadeira, sabe aquela de falar como pirata no dia dos piratas? Então, fale como uma sereia. O que uma sereia abissal diria para uma humana curiosa sobre o seu mundo?
PN:  “Não pode ser colocado em palavras, você deveria ver como é.”

RL: :)
Patricia foi um prazer este bate-papo e conhecer mais sobre sua forma de pensar e viver a dança. Vou ficar torcendo pelo projeto das sereias abissais dançando sob as águas.
PN: Obrigada :)

RL: Você é a primeira de uma curta série de entrevistas com dançarinas e dançarinos sobre o tema. Considero que abri com chave de ouro!
PN: <3  Que bom, louca pra ver as outras já! (risos)
RL: (risos)
Vai ser divertido! Sucesso! 





Conto (clique no título para ler): 
"Saiwalô e a incrível história do coração roubado que não existia"